Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais

Vocês devem conhecer a música “Como Nossos Pais” de autoria de Belchior, e que ficou famosa na voz de Elis Regina. Ela é da década de 70, que coincide com a ditadura militar no Brasil. Sua letra é uma crítica a acomodação dos jovens e a falta de questionamentos diante do momento político vivido pelo país. Não estou aqui para falar de política, mas da mensagem que essa música nos traz.

Vamos pensar em carreira. No final dos anos 90, e início do século XXI, chega a globalização. Antes disso, a carreira era desenvolvida dentro da empresa. Muitas vezes o profissional iniciava e concluía a sua trajetória na mesma organização. Era uma situação cômoda na medida em que o processo de crescimento era quase automático. Tenho o exemplo do meu pai que trabalhou por mais de 30 anos na mesma empresa.

Com a globalização mudanças foram ocasionadas no contexto econômico, social e organizacional, influenciando e exigindo do indivíduo maior foco na gestão da sua carreira ao mesmo tempo que demandou a revisão de crenças e valores.

Surge então o conceito de “Carreira sem Fronteiras” de Michael Arthur. “Carreira sem Fronteiras” é a carreira que transcende a organização:

• Fronteiras Físicas: com o avanço da tecnologia podemos nos comunicar com as pessoas independentemente do local  em que estejam.
• Fronteiras Temporais: hoje podemos falar em tempo real com o mundo todo.
• Fronteiras de Formação: não será a formação que definirá o que a pessoa irá fazer.
• Fronteiras Psicológicas: é a mais difícil e que mais nos desafia. Muitos ainda pensam em carreira e agem como se vivessem no século passado.

Precisamos rever nossos conceitos, entender que existe um novo modelo de carreira e que é necessário mudar a mentalidade:

50+
Dados recentes do IBGE apontam que a expectativa de vida do brasileiro aumentou em 2019, passando dos 76,3 anos previstos em 2018 para 76,6 anos. Além disso, recentemente ocorreu mudança na lei de aposentadoria, exigindo que o brasileiro trabalhe por mais tempo até que possa se aposentar. Mesmo assim, ainda existem muitas organizações que não admitem profissionais com idade superior a 50 anos.
O mesmo problema também se reflete nas demissões. O IBGE nos mostra que, em relação a 2019, o desligamento de trabalhadores com idade entre 50 e 64 anos cresceu 9% no primeiro semestre de 2020.

Tempo de permanência média no trabalho
Hoje nota-se um certo receio em recrutar candidatos com menos de 2 anos de permanência em seus trabalhos. Por outro lado, não podemos mais ter a expectativa de que os profissionais permaneçam por longos períodos na mesma empresa. É preciso entender que os tempos mudaram. A revista Época Negócios mostrou resultados de uma pesquisa feita com grandes empresas de tecnologia, indicando o tempo médio de permanência dos seus funcionários. Citarei apenas algumas das empresas pesquisadas:

• Facebook – 2,02 anos
• Google – 1,9 ano
• Oracle – 1,89 ano
• Apple – 1,85 ano
• Airbnb – 1,64 ano
• Uber – 1,23 ano

Portanto, na condução de um processo seletivo não faz mais sentido descartar o profissional apenas pelo período em que ele ficou na empresa. É importante compreender os seus motivos, que muitas vezes não têm nada a ver com o seu desempenho ou resultados. Do contrário, corre-se o risco de perder excelentes candidatos.

Retorno ao mercado de trabalho
Profissionais que ficaram fora do mercado de trabalho por algum tempo, encontram muita dificuldade para retomar as suas carreiras. Um exemplo recorrente é o da mãe que enfrenta grandes obstáculos para retornar a vida profissional. É importante escutar as histórias destas pessoas antes de descartá-las.

Transição de carreira e mudança de segmento de atuação
E quando o profissional deseja fazer uma transição de carreira ou apenas mudar seu segmento de atuação? É muito difícil. Por mais que ele se prepare, busque conhecimentos, estabeleça um projeto de transição bem planejado e que esteja consciente dos desafios de um novo reinício (como a necessidade de aceitar uma remuneração menor), enfrentará um processo longo, que exigirá muita paciência e resiliência até que obtenha sucesso no alcance de seu objetivo. Infelizmente, muitas vezes não é levado em conta todas as competências e habilidades adquiridas anteriormente, e que com certeza contribuirão para o seu desempenho em um novo desafio.

CLT x PJ
Hoje não temos mais garantia de estabilidade. Por outro lado, muitos profissionais ainda acreditam que a carteira assinada pode garantir a sua permanência e segurança no trabalho. Não é bem assim…
Os processos de terceirização acontecem desde o século passado e, desde então, seguem em crescimento. Ouso dizer que o modelo CLT tende a se extinguir com o tempo. Todas evidências apontam para isso, e cada vez mais o trabalho por projetos e o modelo PJ devem se consolidar.

Preconceito
E o preconceito? Esse é o mais difícil de vencer. Não posso negar que tivemos grandes avanços nos últimos anos. Muitas empresas já estão trabalhando fortemente em promover diversidade no ambiente profissional, porém, ainda temos muitas barreiras a vencer. A pior delas é a barreira atitudinal, aquela que está dentro das pessoas.
Processos seletivos às cegas e o recrutamento virtual (que acabou sendo uma exigência em tempos de pandemia) são práticas interessantes, especialmente quando aliadas a uma boa política de RH.
O mundo será muito melhor quando enxergarmos a pessoa, e não a sua faixa etária, cor, religião, deficiência, gênero ou classe social. Vamos chegar lá!

Então, qual é o seu momento de carreira? Suas ações estão mais alinhadas às demandas dos novos tempos? Ou à canção que dá título a este artigo? Em que século você vive?

Fica aqui o meu convite à reflexão.